sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Carta a um Testemunha de Jeová

por Williams Araújo

Caro Américo, já há algum tempo temos estudado o seu livrete O que a Bíblia realmente ensina e resolvi escrever esta carta diante de tudo que vimos. Primeiro aprendemos sobre a pessoa de Jesus Cristo. Ambos concordamos que ele é o Messias prometido noAntigo Testamento. Textos como Miqueias 5.2Isaías 7.14Oseias 11.1 e Isaías 40.3não deixam dúvidas quanto a isso.
Concordamos também, caro Américo, que, antes da vinda de Cristo, ele estava no céu com Deus. João 3.13; 6.38, 62 e 17.5 deixam isso muito claro. Concordamos ainda que Jesus é o modelo que Deus nos deu e que devemos imitá-lo, seguindo seu exemplo de obediência e humildade (Jo 13.15Hb 12.2-3Fp 2.5-8). Também acreditamos que ele é o filho unigênito de Deus e que todas as coisas foram criadas por ele (Jo 1.3; 3.16Cl 1.16-17).

Entretanto, Américo, apesar de ambos concordarmos nesses pontos, divergimos em vários outros. O seu livrete afirma que Jesus Cristo é uma criatura espiritual. Afirmar isso equivale a dizer que Cristo não é eterno, pois, se ele foi criado, houve um tempo em que ele não existia. Essa afirmação é heterodoxa (pra não dizer herética), pois as escrituras afirmam que Cristo é eterno. Miqueias 5.2 diz que o Messias existe “desde os dias da eternidade”. Em Isaías 9.6, o profeta declara que seu nome seria “Pai da Eternidade”. Em João 8.58Jesus disse: “Antes que Abraão existisse, EU SOU”. Essa afirmação atesta sua eternidade, pois, caso quisesse falar apenas da sua preexistência, teria dito “eu era”. Finalmente, em Apocalipse 22.13 Jesus diz ser o “Alfa e o Ômega”.

Quem nega a eternidade de Cristo acaba negando também a sua divindade — outra crença heterodoxa. EmRomanos 9.5, porém, Paulo diz que Cristo é “Deus bendito eternamente”. Em João 10.30, Jesus afirma ser da mesma substância do Pai. Em Colossenses 2.9, aprendemos que em Cristo habita toda a plenitude da divindade. Em Mateus 18.20, o Mestre afirmou sua onipresença, um atributo incomunicável de Deus. Marcos 2.1-12 mostra Jesus oferecendo perdão eterno, algo que só Deus pode dar. Ademais, em 1João 5.20, o apóstolo diz: “Sabemos também que o Filho de Deus já veio e nos deu entendimento, para conhecermos aquele que é verdadeiro; e estamos naquele que é verdadeiro, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna”. O simples fato de Jesus ser eterno já evidencia sua divindade, pois existe apenas um Deus eterno (Sl 90.2).
Américo, muito antes do Charles Taze Russell (fundador das Testemunhas de Jeová [1852-1916]) nascer, existiu um homem que disseminou uma cristologia muito semelhante à de vocês. Seu nome era Ário (250-336).

Ário foi um presbítero da igreja de Baucalis e, influenciado pelos ensinos de Luciano de Antioquia e, parcialmente, de Orígines de Alexandria, chegou à conclusão que Jesus Cristo não é Deus. Ele acreditava que, por Deus ser eterno, único e imutável, não poderia ser divisível. Logo, tudo que existe foi criado do nada por Deus. Entretanto, antes de criar todas as coisas, ele criou o Logos, e por intermédio dele, criou todas as outras coisas. O Logos, segundo Ário, é anterior e superior a todas as criaturas. É a primeira e mais importante de todas as criaturas de Deus, mas não é eterno, pois teve um início, e nem é superior ou igual a Deus. O ensino de Ário pode parecer bastante coerente, mas é herético. O arianismo teve muitos adeptos, bispos de igrejas importantes aderiram à corrente ariana.
Um dos combatentes do arianismo foi Alexandre de Alexandria (?-326). O mais incisivo de seus argumentos foi dizer que os arianos negavam a imutabilidade do Pai, pois, afirmar que houve um tempo em que Cristo não existia, consistia em dizer que houve um tempo em que Deus não era Pai.  Isso faria com que ele não fosse imutável. Alexandre demonstrou sua preocupação com o ensino herético de Ário, pois sabia que a divindade de Jesus era um importante pilar do cristianismo — e negá-la seria opor-se a todo o ensino apostólico.

Ele estava certo. Diante disso tudo, caro amigo, preciso dizer que você crê e ensina doutrinas falsas que têm aparência de piedade e verdade, mas são contrárias aos verdadeiros ensinamentos da Bíblia. Aliás, a Bíbliaque vocês utilizam está parcialmente adulterada e isso faz com que vocês tenham concepções errôneas a respeito de verdades importantes da Palavra de Deus.
Vocês mesclam a verdade com a mentira, a ortodoxia com a heresia e, assim, demonstram uma verdade pregada por Irineu de Lião (?-202) que dizia que os falsos mestres misturavam leite com gesso. O leite é bom, saudável e gostoso, mas se está contaminado, tudo deve ser descartado. Você está num caminho de destruição, ensinando doutrinas falsas e induzindo outras pessoas ao erro.
Vocês creem num falso Cristo e, como já disse o Pr. Paulo Romeiro, “quem crer no Jesus errado, embarca em uma salvação errada, e pode desembarcar no céu errado”. Por isso, meu caro Américo, eu o aconselho a sair desse caminho e a crer em Jesus Cristo, o Deus-homem, que é um com o Pai e que é a nossa única esperança de salvação.

E não há salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não há outro nome entre os homens pelo qual devamos ser salvos (At 4.12).


original em: 
http://www.igrejaredencao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2720:carta-a-um-testemunha-de-jeova&catid=17:pastoral&Itemid=114#.V7bo6JiU1aQ

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Sobre casamento e divórcio

Por Marcos Granconato

A convivência

Nas últimas semanas foram publicadas duas pastorais sob o título Os três fatores que perfazem o casamento. Foi dito ali que, para que o vínculo conjugal exista, é necessária a ocorrência de três elementos: a vontade livre, o ato solene e o intercurso sexual. Nesta pastoral e na próxima serão expostos os efeitos do surgimento do vínculo.

Assim, diga-se logo de início que quando o vínculo conjugal se completa pelo preenchimento dos três requisitos elencados acima, dois efeitos são produzidos. São os dois efeitos básicos do casamento, a saber, a convivência e a indissolubilidade. Ambos estão previstos em Gênesis 2.24: Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher (convivência), tornando-se os dois uma só carne (indissolubilidade). O primeiro é considerado o efeito programado, o segundo pode ser chamado também de efeito não programado.

Convivência, o efeito programado do casamento — A convivência é o efeito programado do casamento porque quem se casa, obviamente, o faz com o objetivo assumido e consciente de conviver. De fato, ao deixar pai e mãe, o indivíduo que se une ao seu cônjuge tem planos de morar sob o mesmo teto, construindo um lar, um patrimônio e uma história ao lado da pessoa com quem se casou.

O casamento é o fator que legitima essa convivência e a Bíblia mostra que esse efeito programado da união conjugal deve ser regido por diretrizes que o próprio Senhor fixou, a fim de que seja feliz, realizadora e edificante.

A primeira lição que emana das Escrituras sobre a convivência do casal casado é que ela deve ser marcada por uma vida sexual dinâmica (Pv 5.15-19; 1Co 7.3,4). Na verdade, o texto sagrado ensina que os cônjuges não devem se privar mutuamente, exceto por consentimento mútuo — e isso somente por algum tempo, com o objetivo exclusivo de se dedicarem à oração. Depois desse período, devem se unir novamente, para que Satanás não os tente, aproveitando-se da dificuldade dos cônjuges em se conterem por mais tempo (1Co 7.5). O apóstolo Paulo é bastante direto ao tratar desse assunto, mostrando que o casal que não tem uma vida sexual ativa e constante está longe do ideal de Deus e se mantém exposto a perigos.

A convivência do casal também deve ser marcada pela sujeição (Ef 5.21). O marido deve se sujeitar à sua mulher movido pelo amor, do mesmo modo como Cristo se sujeitou em amor à igreja (Ef 5.25). Algo, porém, deve ficar bem claro neste ponto: assim como Cristo é o líder da igreja, também o marido é o líder do lar (Ef 5.23; 1Tm 3.4,12). Por isso, a sujeição do marido não é do tipo que obedece, mas sim do tipo que se sacrifica (Ef 5.25b). Se acaso o marido se sujeitar à esposa como quem obedece, inverterá o modelo estabelecido por Deus e o lar ficará desestruturado.

Algo também importante a se destacar é que ao se sujeitar sacrificialmente à esposa, conforme estabelecido na Bíblia, o marido deve ter como alvos sublimes protegê-la e sustentá-la, bem como aperfeiçoá-la espiritualmente (Ef 5.26-29).

Se o traço principal da sujeição do marido é o amor que se sacrifica, o traço principal da sujeição da esposa é o respeito que se rende. Sua sujeição é, portanto, do mesmo tipo que a igreja deve a Cristo (Ef 5.22,24). Isso implica auxílio (Gn 2.18), dedicação (Pv 31.13-27), obediência e o reconhecimento de que as rédeas do lar estão nas mãos do esposo (1Pe 3.5,6).

Os cônjuges também devem conviver livres de amarguras, rancores, brigas e disposições ofensivas. Em vez disso, a esposa deve ser pacífica, dócil e serena (Pv 31.12; 1Pe 3.1-5) e o marido deve ser sábio no trato com sua mulher,  tributando a ela honra e cuidado especial (1Pe 3.7).

A indissolubilidade

Foi dito no boletim da semana passada que a convivência é um dos dois efeitos do casamento, sendo também chamada de efeito programado. Aqui será exposto o segundo efeito do casamento.

Indissolubilidade, o efeito não programado do casamento: A indissolubilidade é o efeito não programado do casamento porque não depende do planejamento, da vontade ou mesmo da ciência dos noivos para que seja produzido. Quando duas pessoas se casam, preenchendo os três requisitos que perfazem o casamento alistados nos boletins anteriores, a indissolubilidade surgirá, quer os cônjuges queiram ou não, quer saibam ou não, quer concordem com isso ou não.

Que o vínculo conjugal é insolúvel se depreende de textos como Mateus 19.6, Romanos 7.2 e 1Coríntios 7.39. De fato, as duas últimas referências mostram que o único fator que tem força para quebrar o liame matrimonial é a morte. Nem a decisão dos envolvidos, nem os sentimentos das partes, nem o afastamento dos cônjuges, nem os erros do casal, enfim, nada exceto a morte tem o condão de destruir o elo que foi estabelecido entre um homem e uma mulher casados entre si.

Obviamente, essas afirmações suscitam a seguinte pergunta: E quanto ao divórcio? A Bíblia não mostra que há casos em que esse expediente pode ser usado, pondo fim ao matrimônio?

Sim. Ainda que Deus odeie o repúdio (Ml 2.14-16) e Jesus ensine que a causa básica da separação de um casal seja a dureza de coração (Mt 19.6-8), a verdade é que o divórcio é tolerado na Bíblia em dois casos específicos: em razão de relações sexuais ilícitas, como o adultério (Mt 5.32; 19.9), e quando o cônjuge incrédulo quiser se apartar do cônjuge crente (1Co 7.12,13,15). Nessa segunda hipótese, o texto bíblico deixa claro que a iniciativa da separação deve ser do incrédulo.

Sem dúvida, há algumas situações que não se encaixam nas hipóteses acima, nas quais a separação dos cônjuges é inevitável. É o caso, por exemplo, do marido que expõe a perigo a vida e a integridade física da esposa e dos filhos, espancando-os violentamente. Também é o caso do pai que estimula a corrupção dos filhos, ensinando-os a roubar ou a usar drogas, tornando impossível a convivência familiar.

Situações terríveis assim, ainda que não sejam previstas na Bíblia, muitas vezes justificam o divórcio, uma vez que põem em risco valores que estão acima da unidade conjugal — valores como a vida e a integridade moral e física. Contudo, deve-se frisar que, antes de chegar ao ponto de separar-se, o casal deve empregar todos os recursos possíveis para que a unidade familiar seja preservada.

Tendo sido demonstrado aqui que o divórcio é admitido na Bíblia em algumas poucas hipóteses, deve-se agora fazer a seguinte ressalva: o divórcio de que a Bíblia trata tem força para destruir o efeito programado do casamento (a convivência), mas não o efeito não programado. Isso significa que, mesmo com o advento do divórcio, o vínculo matrimonial entre um homem e uma mulher casados entre si perdura, sendo um elo estabelecido por Deus que só se dissolve com a morte de um dos cônjuges.

É por causa disso que a Bíblia não aprova o recasamento de pessoas divorciadas. Com efeito, à luz do texto sagrado, o casamento de alguém separado cujo ex-consorte permanece em vida, implica adultério para ambas as partes envolvidas (Mc 10.11-12; Lc 16.18; Rm 7.3; 1Co 7.10,11).

Daí se conclui que o divórcio, conforme abordado na Bíblia, tem uma força menor do que aquela que lhe é dada no âmbito jurídico. Se de um lado, a lei civil entende o divórcio como o expediente que dissolve o vínculo conjugal e, consequentemente, abre a possibilidade de se contrair novas núpcias, de outro, o Novo Testamento atribui a esse recurso eficácia mais restrita. De fato, segundo as Escrituras, o divórcio é capaz de interromper somente a convivência do casal, sem, contudo, destruir o elo que vincula o marido e a mulher. Esse elo, mesmo com o divórcio, permanece intacto, fazendo de ambos “uma só carne” — algo que perdura misteriosamente pelo poder de Deus até o advento da morte.

Ora, sendo a morte o único fator que quebra o vínculo conjugal, é evidente que o casamento de viúvos é lícito (1Tm 5.14). A única ressalva feita pelo apóstolo Paulo referente a esses casos é que o viúvo crente se case com alguém que também seja cristão (1Co 7.39). Na verdade, o casamento entre um crente e um incrédulo nunca é aprovado na Bíblia que, aliás, condena qualquer associação intensa da luz com as trevas (2Co 6.14-16).

Quem inventou o divórcio?

Nos tempos do Novo Testamento, os judeus abrigavam em sua mente algumas diretrizes acerca do casamento. Por exemplo, eles sabiam que, no caso de adultério, tanto o homem como a mulher envolvidos deviam ser executados (Lv 20.10 cp. Jo 8.3-11). Eles também conheciam a restrição que pesava sobre os sacerdotes que, por exercerem uma função santa, não podiam se casar com uma prostituta, nem com uma moça que não fosse virgem ou com uma mulher divorciada do seu marido (Lv 21.7).

Dentre os trechos da lei que tratavam sobre o casamento, talvez a passagem de Deuteronômio 24.1-4 fosse a que mais causasse controvérsias. Segundo esse texto, uma mulher que tivesse se divorciado e casado novamente não poderia voltar para o seu ex-consorte, nem mesmo se o seu segundo marido morresse (Dt 24.2-4).

É provável, porém, que a parte mais discutida do texto de Deuteronômio 24 fosse o versículo 1 que dizia que o marido podia dar certidão de divórcio à sua esposa caso encontrasse nela algo que não fosse do seu agrado. Como é praticamente impossível definir nessa passagem o limite exato do direito dado ao marido que quisesse se divorciar, os rabinos da época esposavam opiniões divergentes, sendo uns mais liberais, enquanto outros se mostravam bastante rigorosos em suas concepções.

No tocante a esse assunto, as escolas rabínicas mais conhecidas que se opunham entre si eram a de Hillel e a de Shammai. Stuart Weber resume muito bem a concepção dessas duas vertentes:

Em Israel, durante o primeiro século, o divórcio e o novo casamento eram temas tão polêmicos quanto são hoje. A escola de pensamento do rabino Hillel nutria visões bastante liberais sobre o assunto, admitindo o divórcio por qualquer motivo. Hillel aceitava o divórcio até no caso de uma refeição malcozida ou se o marido visse uma mulher que considerasse mais atraente. Já a escola do rabino Shammai era bem rigorosa, permitindo o divórcio somente por motivos graves, especialmente o adultério (Holman New Testament Commentary: Matthew, p. 328).

Inspirados assim, nessas discussões sobre o divórcio, os inimigos de Jesus, movidos especialmente pelo desejo de colocá-lo à prova, lhe perguntaram certa vez se era permitido ao homem se divorciar de sua mulher por qualquer motivo (Mt 19.3). A resposta do Mestre destacou então a origem sobrenatural do casamento (Gn 1.27) e a indissolubilidade implícita na expressão “uma só carne” (Gn 2.24), frisando afinal que marido e esposa não devem se separar (Mt 19.4-6).

Diante dessa reposta, os fariseus recorreram a Deuteronômio 24.1, precisamente o texto que diz que o homem pode dar certidão de divórcio à sua esposa, caso não se agrade dela. O claro objetivo deles era acusar Jesus de ensinar lições contrárias às Escrituras.

Nesse ponto, porém, Jesus enunciou uma importante verdade: Deus não criou o divórcio e, então, o inseriu na Lei, como pensavam muitos judeus da época (e ainda pensam muitas pessoas de hoje). Não! Ele havia apenas dado instruções para regulamentar uma prática desordenada inventada pelos homens por causa da dureza do seu coração (Mt 19.8).

Em seguida, Jesus acrescentou: “Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, exceto no caso de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério” (Mt 19.9). Como se vê, a concepção de Jesus acerca do divórcio é bem rigorosa, permitindo que alguém recorra a esse expediente somente em caso de “relações sexuais ilícitas”.

No aspecto referente à possibilidade do divórcio, o ensino de Jesus é, de fato, bastante claro. O problema que se levanta em face de Mateus 19.9 é que a expressão “exceto no caso de relações sexuais ilícitas” (a chamada cláusula de exceção) parece aceitar a possibilidade não só do divórcio, mas também do novo casamento, pelo menos para a parte que foi vítima da infidelidade do seu cônjuge. Seria esse mesmo o caso?

A cláusula de exceção

Foi dito na pastoral anterior que o texto de Mateus 19.9 parece abrir uma exceção para o recasamento quando a causa da separação do casal for a infidelidade.

Essa impressão que o texto passa, contudo, não deve enganar o estudioso da Bíblia. Isso porque, na verdade, à luz da gramática grega e do ensino geral do Novo Testamento a cláusula de exceção pronunciada por Jesus só pode ser aplicada ao repúdio e não ao novo casamento. Veja-se, aliás, que os textos paralelos de Marcos 10.11-12 e Lucas 16.18 não mencionam nenhuma cláusula de exceção.

De fato, um número notável de grandes exegetas é unânime em dizer que, no texto em questão, a exceção é aplicável apenas ao divórcio, permanecendo vedado o segundo casamento, mesmo em casos de adultério.

É o que explica o doutor em línguas bíblicas Carlos Osvaldo Cardoso Pinto:

As palavras de Jesus em Mateus 19.9, conforme entendidas por todos os comentaristas cristãos até o século 16 (com a única exceção, Ambrosiastro, no século 4), declarava que recasamento depois de divórcio implica adultério para todos os envolvidos… Essa posição, menos popular e praticamente mais complexa, entende que a frase “exceto em caso de relações sexuais ilícitas” (a chamada “cláusula de exceção”) modifica apenas a frase “se um homem se divorciar de sua mulher” (o que em linguagem técnica se chama prótase (oração condicional) e não a frase seguinte, “e casar com outra comete adultério” (que os eruditos chamam de apódose (oração principal) (O Divórcio. Revista Enfoque, p. 7).

Continuando sua exposição, o professor afirma que “a gramática e a estatística do Evangelho de Mateus exigem que a cláusula de exceção se refira apenas à frase que a precede”. Daí conclui que “o sentido das palavras de Jesus em Mateus 19.9 seria, portanto: ‘O marido não pode repudiar (divorciar-se de) sua mulher a não ser que ela seja culpada de comportamento sexual ilícito.’ E mais: ‘Quem se casar depois de repudiar sua esposa comete adultério’.” Outra possível tradução para Mateus 19.9 é: “Quem se divorciar de sua mulher, o que só poderá fazer se ela for infiel, e se casar com outra comete adultério”. Note-se que essa opção conecta corretamente a famosa cláusula de exceção somente à primeira parte da hipótese — a parte referente ao divórcio.

Ao fim de toda essa discussão, alguém poderá perguntar: por que o nexo matrimonial é tão forte até o ponto de somente a morte poder quebrá-lo? A resposta a essa questão está no fato de o casamento não ser um mero contrato firmado entre duas partes, produzindo efeitos meramente naturais. Antes, o casamento tem origem divina, produzindo nexos que ultrapassam a compreensão humana.

Recorde-se mais uma vez que, segundo a Bíblia, quando duas pessoas se casam, ambas se tornam uma só carne (Gn 2.24), passando a existir um elo tão forte entre elas que a simples separação de corpos ou a distância geográfica é incapaz de quebrar. Trata-se, portanto, de um elo mais forte que o da filiação. Com efeito, todos sabem que o vínculo natural entre pais e filhos é fortíssimo, de maneira que ninguém deixa de ser filho pelo simples fato de não conviver mais com os pais. Ora, se é assim no caso do elo natural de filiação, muito mais forte deverá ser considerado o elo sobrenatural do casamento em que as partes são tidas como “uma só carne”, algo jamais dito acerca da relação pai/filho.

Vê-se, desse modo, que a ética cristã do casamento é extremamente elevada e deve ser defendida a todo custo nos dias modernos. Aliás, é significativo que João Batista, o primeiro mártir do Novo Testamento, foi preso e decapitado precisamente por defender a ética bíblica do matrimônio (Mt 14.3-12), o que deveria inspirar os cristãos modernos a se dispor mais na defesa desses mesmos valores.

Concluindo, em face de tudo que foi dito, a igreja de Deus não pode concordar com o segundo casamento de alguém cujo cônjuge ainda esteja vivo. Por isso, essa igreja não incentivará nem promoverá o casamento de pessoas nessa condição, apontando o erro de quem segue nessa direção.

Entretanto, é bom destacar que pessoas divorciadas que chegam à igreja já tendo constituído nova família não devem ser rejeitadas. Evidentemente, nesses casos não há nada que fazer senão aceitar a situação tal qual se encontra, pois seria muito prejudicial forçar a dissolução do segundo casamento e quase sempre impossível viabilizar a restauração do primeiro. Por isso, crentes nessas condições devem ser recebidos normalmente na igreja, sendo-lhes apenas vedada a ocupação de cargos de liderança ou orientação espirituais (1Tm 3.2,12).
Fonte: Igreja Batista Redenção


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